Certa vez, andando sozinha por um bosque, encontrei um pássaro que
falava. Sim, pode parecer a coisa mais absurda, mas este pássaro falava
mesmo. E não era um papagaio bem treinado. Ainda procurei minha câmera
digital para tentar registrar o encontro fabuloso e, em um ímpeto
egoísta, ainda pensei nas cifras que poderia ganhar com um pássaro
daqueles! Mas, ainda bem, o ímpeto logo passou.
Era um pássaro pequeno, um pardal. Mas não era um pardal qualquer, desses que a gente vê em qualquer lugar. Era diferente. Disse que era um Pardal de Java, e que os Pardais de Java conhecem todos os idiomas. Um pássaro incrível, de fato. Muito culto e educado, com ares de quem tinha muita coisa pra contar sobre a vida. Ele perguntou de onde eu vinha e porque estava sozinha no bosque. Respondi que estava pensando, talvez fugindo. Somente andando, concluí. Eu perguntei o que ele estava fazendo sozinho ali no galho e ele me respondeu que gostava de observar, era um observador por natureza, e que dali de cima podia ver todo o resto do bosque. Ele passava o dia todo, todos os dias, sentado ali no galho, observando o movimento. Que coisa mais estranha para um pássaro fazer, eu pensei. Perguntei se ele não sentia falta de voar. Ele respondeu com uma sonora risada que não, que já havia voado muito durante toda sua vida. Ele era velho, já tinha visto todas as coisas que o mundo tinha para oferecer. Mas sempre voltava para o bosque, porque ali as coisas são tranqüilas e, ainda assim, há muito o que observar. Mas ele também disse que quando sentia falta de bater suas asinhas, viajava um pouco por aí, só como exercício, e aproveitava para fazer suas observâncias.
Eu disse à ele que devia ser uma vida fascinante, com muitas histórias para contar. E ele me respondeu que sim, que seu maior prazer era poder contar tudo o que viu para os outros pardais e para os peixes do rio que passava há alguns quilômetros dali. Eu perguntei se os peixes também falavam, e ele respondeu que alguns são muito falantes, mas cada qual com sua própria língua. Nenhum pássaro podia entender um peixe, a não ser os pardais de Java, muito cultos e conhecedores de todas as línguas. Eu, entusiasmada com tamanha descoberta, sentei-me numa raiz de árvore e suspirei alegremente minha vontade de ser um pardal de Java, para poder conversar com todos os seres. E ele, com um tom sereno, me advertiu que ser um pardal de Java era mais complicado do que parecia. Era uma responsabilidade muito grande, ele disse. Franzi a testa. Ele continuou, dizendo que o idioma é o que une as pessoas. A comunicação é a arma mais poderosa de todos os tempos, e com ela é possível dominar nações inteiras. Afinal de contas, aquela história da Torre de Babel fazia todo o sentido do mundo. Quando as pessoas não se entendiam mais, não conseguiam mais construir algo juntas, seja para o bem, seja para o mau. A comunicação é um grande poder. E todo grande poder traz grandes responsabilidades. Imagine então, disse ele, que responsabilidade temos nós, os pardais de Java. É muita pressão sobre nossas asas, ele suspirou. Tanto é que a maioria dos pardais de Java escondem o fato de poderem compreender qualquer língua. Ou simplesmente tentam ignorar esse fato e isolam-se das outras espécies, na tentativa de esquecer esse dom, transformando-o numa verdadeira maldição. Ele poderia contar mil histórias desses pássaros, todas de suas observâncias pelo mundo. Eu, já bem acomodada na raiz, pedi que ele me contasse uma delas. E então ele me contou essa história que eu vou lhes contar agora.
Disse o pardal que, num lugar distante dali, morava outro pardal de java jovem e feliz que, de tanto conversar com os peixes do lago, acabou se apaixonando por um. “Por um peixe?!” eu ri. O pardal me olhou com os olhos cansados de quem já contara a história muitas vezes, e esboçando no bico algo que eu imaginei ser um sorriso calmo, ele disse: “Você sabe… o amor é ilógico. E se abre para as possibilidades mais improváveis e imprudentes.” Eu compreendi.
Ele prosseguiu contando que, ao procurar o pardal mais velho do bosque, o mais sábio da região, o pardalzinho abriu seu pequenino coração de pássaro. O sábio perguntou: E o peixe também o ama? Ele respondeu que sim, que era tudo o que o peixe lhe dizia até então. E continuou: “Senhor… Um peixe pode amar um pássaro, mas onde eles viveriam?” E o sábio respondeu: “Então acho que está na hora de começar a aprender a nadar, meu pequeno amigo. Não se preocupe com onde viver. O importante é viver. Vocês podem não ter uma casa, mas assim como Deus nos fez pássaros livres para voar, também somos livres para amar. E nossa casa está no coração daqueles que são amados por nós.”
Então o pequeno pardal voou. Viveu, e amou o peixe. Ele se mudou para perto do lago, aprendeu a nadar. Dizem que ele se afogou e morreu. Outros dizem que ele continua lá, feliz com o peixe. Outros dizem que ele voou de volta pra sua casa, em outro bosque. Ninguém sabe ao certo dizer se o pássaro e o peixe viveram juntos, felizes para sempre. É bem provável que não. Mas, certamente, eles viveram.
É bem assim que me sinto com o Servet... eu sou o pássaro e ele o peixe; mas tenho medo de aprender a nadar.
Era um pássaro pequeno, um pardal. Mas não era um pardal qualquer, desses que a gente vê em qualquer lugar. Era diferente. Disse que era um Pardal de Java, e que os Pardais de Java conhecem todos os idiomas. Um pássaro incrível, de fato. Muito culto e educado, com ares de quem tinha muita coisa pra contar sobre a vida. Ele perguntou de onde eu vinha e porque estava sozinha no bosque. Respondi que estava pensando, talvez fugindo. Somente andando, concluí. Eu perguntei o que ele estava fazendo sozinho ali no galho e ele me respondeu que gostava de observar, era um observador por natureza, e que dali de cima podia ver todo o resto do bosque. Ele passava o dia todo, todos os dias, sentado ali no galho, observando o movimento. Que coisa mais estranha para um pássaro fazer, eu pensei. Perguntei se ele não sentia falta de voar. Ele respondeu com uma sonora risada que não, que já havia voado muito durante toda sua vida. Ele era velho, já tinha visto todas as coisas que o mundo tinha para oferecer. Mas sempre voltava para o bosque, porque ali as coisas são tranqüilas e, ainda assim, há muito o que observar. Mas ele também disse que quando sentia falta de bater suas asinhas, viajava um pouco por aí, só como exercício, e aproveitava para fazer suas observâncias.
Eu disse à ele que devia ser uma vida fascinante, com muitas histórias para contar. E ele me respondeu que sim, que seu maior prazer era poder contar tudo o que viu para os outros pardais e para os peixes do rio que passava há alguns quilômetros dali. Eu perguntei se os peixes também falavam, e ele respondeu que alguns são muito falantes, mas cada qual com sua própria língua. Nenhum pássaro podia entender um peixe, a não ser os pardais de Java, muito cultos e conhecedores de todas as línguas. Eu, entusiasmada com tamanha descoberta, sentei-me numa raiz de árvore e suspirei alegremente minha vontade de ser um pardal de Java, para poder conversar com todos os seres. E ele, com um tom sereno, me advertiu que ser um pardal de Java era mais complicado do que parecia. Era uma responsabilidade muito grande, ele disse. Franzi a testa. Ele continuou, dizendo que o idioma é o que une as pessoas. A comunicação é a arma mais poderosa de todos os tempos, e com ela é possível dominar nações inteiras. Afinal de contas, aquela história da Torre de Babel fazia todo o sentido do mundo. Quando as pessoas não se entendiam mais, não conseguiam mais construir algo juntas, seja para o bem, seja para o mau. A comunicação é um grande poder. E todo grande poder traz grandes responsabilidades. Imagine então, disse ele, que responsabilidade temos nós, os pardais de Java. É muita pressão sobre nossas asas, ele suspirou. Tanto é que a maioria dos pardais de Java escondem o fato de poderem compreender qualquer língua. Ou simplesmente tentam ignorar esse fato e isolam-se das outras espécies, na tentativa de esquecer esse dom, transformando-o numa verdadeira maldição. Ele poderia contar mil histórias desses pássaros, todas de suas observâncias pelo mundo. Eu, já bem acomodada na raiz, pedi que ele me contasse uma delas. E então ele me contou essa história que eu vou lhes contar agora.
Disse o pardal que, num lugar distante dali, morava outro pardal de java jovem e feliz que, de tanto conversar com os peixes do lago, acabou se apaixonando por um. “Por um peixe?!” eu ri. O pardal me olhou com os olhos cansados de quem já contara a história muitas vezes, e esboçando no bico algo que eu imaginei ser um sorriso calmo, ele disse: “Você sabe… o amor é ilógico. E se abre para as possibilidades mais improváveis e imprudentes.” Eu compreendi.
Ele prosseguiu contando que, ao procurar o pardal mais velho do bosque, o mais sábio da região, o pardalzinho abriu seu pequenino coração de pássaro. O sábio perguntou: E o peixe também o ama? Ele respondeu que sim, que era tudo o que o peixe lhe dizia até então. E continuou: “Senhor… Um peixe pode amar um pássaro, mas onde eles viveriam?” E o sábio respondeu: “Então acho que está na hora de começar a aprender a nadar, meu pequeno amigo. Não se preocupe com onde viver. O importante é viver. Vocês podem não ter uma casa, mas assim como Deus nos fez pássaros livres para voar, também somos livres para amar. E nossa casa está no coração daqueles que são amados por nós.”
Então o pequeno pardal voou. Viveu, e amou o peixe. Ele se mudou para perto do lago, aprendeu a nadar. Dizem que ele se afogou e morreu. Outros dizem que ele continua lá, feliz com o peixe. Outros dizem que ele voou de volta pra sua casa, em outro bosque. Ninguém sabe ao certo dizer se o pássaro e o peixe viveram juntos, felizes para sempre. É bem provável que não. Mas, certamente, eles viveram.
É bem assim que me sinto com o Servet... eu sou o pássaro e ele o peixe; mas tenho medo de aprender a nadar.
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